09/05/2017

Uma entrevista que fiz em Fevereiro de 2016 para uma jornalista que trabalhava para a "Revista Ler" e que nunca saiu. Vá-se lá saber porquê!...


  1. Como e quando começou este projecto das Edições 50kg?
R: Em primeiro lugar devo confessar que não gosto da palavra “projecto” soa-me a algo que parece conter arquitectos, engenheiros, um plano de negócio devidamente fundamentado em retornos de caixa à vista (os tais cash-flows) e alvarás de alguma subsecção (ou várias) pertencente à câmara municipal. Sabe-se que as palavras também têm cargas que o seu uso mais recorrente atribuiu. E esta de ”projecto” apesar de querer passar por um neutrão, limpinho e asséptico… Comigo ainda não se sacudiu o suficiente, e por isso faço notar que, não vai há muito, na nossa História Ocidental, encontrámos esta palavra a ser unha e carne e pau para todo serviço do terceiro Reich, também com arquitectos, engenheiros e financeiros. Por isso o uso desta palavra causa-me ainda alguma espécie i.e. no sentido de impressão e não numa redundância com o terceiro Reich. É claro que também não me atrevo a dizer “aventura poética” porque essa expressão além de ser timbre da tarimba da &etc do Vitor Silva Tavares requer uma longevidade, uma resistência, e persistência, em suma, uma presença que as Edições 50kg não têm. E logo não merecem a feliz denominação que o Vitor Silva Tavares encontrou. Deixemos cair então esta palavra “projecto”, que deverá ser mais “útil”, como denominação apreensível e compreensível, nas reuniões dos conglomerados editoriais que produzem o produto livro, ou até mesmo o produto revista, como esta revista, sim é que esta revista também pertence a um conglomerado editorial que quer vender os produtos livros dos seus autores. É claro que chamam-lhe “interesses operacionais e estratégicos” é assim que é dita a coisa, espécie de camuflado muito em voga. E até se pode achar que é legítimo esse querer vender o que é da casa. Porém o que não é tão legítimo é poder-se achar que há aqui, grande jornalismo e crítica isenta. Há é um movimento de circulares e conteúdos e esta minha entrevista possivelmente entra nesta revista com o tratamento de conteúdo mas também alguma carne tem que ter a chouriça. Terminado este parêntesis, já longo, direi então como e quando começaram as Edições 50kg. As Edições 50kg começaram com um fólio lançado em 2006, faz este ano dez anos, se bem que a recolha de material tipográfico, dito obsoleto, começou mais cedo aí por volta de 2004. Mas, é em 2006 que sai o tal fólio, que inaugura a chancela, com dois textinhos para uma exposição de artes plásticas numa galeria que, pelo menos naquela altura representava, entre outros artistas, conceituados como: o Ângelo de Sousa, o Álvaro Lapa, o Pedro Croft, o Paulo Nazolino, enfim… E esta publicação da 50kg foi um êxito estrondoso, foi tudo entre portos de honra e canapés de camarão. É claro que, sendo o fólio gratuito era tão fácil pegar nele como pegar em guardanapos. Mas isso não interessa nada e foi uma grande perspicácia comercial das Edições 50kg que pode agora gabar-se de esgotar uma tiragem de 250 exemplares num par de horas. Vi muitas senhoras a usarem aquilo como leque. Estava um dia quente.


  1. O que faz além disso e que percurso o trouxe até aqui?
R: Sejamos bem claros nesta questão de «o que faz além disso». Cedo percebi que para eu ter alguma independência: em editar o que quero editar, e como o quero fazer. E mais à frente podemos esclarecer isto. E também sem deixar ninguém meter o seu bedelho, e há sempre alguém que o tenta fazer. Teria de estar predisposto, a viver com pouco, e este pouco é uma austeridade que abarco, ou que me imponho. É uma austeridade boa, e é boa porque não me foi difícil e não contradiz, digamos, uma natureza minha, não, pelo contrário vai ao seu encontro como se fosse uma espécie de “physis” à grega, traz-me um equilíbrio. E isto não é nenhuma apologia do espiritual versus material, não, não é isso! É prático. É eu saber, ou melhor, estar consciente por onde as coisas te prendem e te amarram. E são coisas que te amarram e também há coisas espirituais que também te prendem. Por isso à semelhança de muitas outras pessoas que ao longo da História, artistas, e escritores, e até editores que fizeram o seu “labor” em plena consciência que o tinham de fazer, e que era assim e não de outra forma. E que para isso até se sujeitaram à miséria, fizeram biscates do arco-da-velha, sei lá … andaram na marinha mercante. Também por aqui se vai andando aos ais e aos biscates para poder fazer o que se quer e o que se acha que se tem de fazer. E estou convencido que ainda não há outra maneira.
Quanto ao percurso, esse, terei de dizer que se pautou por uma série de encontros que tentarei expor muito resumidamente.
De 2001 a 2004 fui guia no Museu da Imprensa. Onde aprofundo todo aquele universo de máquinas tipográficas. E é aí que, com a ideia que já vinha alimentando de fazer um livro de autor, me resolvo realmente a fazer um livro querendo fazê-lo do princípio ao fim e daquela maneira – à antiga! Acho que devo ter feito o livro de autor mais caro de sempre e que demorou quase dois anos a ser feito. Procurei comprar tipos em caracteres móveis (letras em liga de chumbo ou então de madeira) e uma máquina de impressão que veio a ser um prelo de provas. E quando encontrei uma à venda a segunda pergunta foi «quanto pesa?» a primeira tinha sido o preço. O vendedor disse «uns cinquenta quilos». Tendo ficado para nome da editora quando se lançou o fólio na galeria e que acabou por sair primeiro que o livro de autor que entretanto estava a fazer. De 2004 para cá, o acervo de máquinas, de letras, e acessórios tipográficos foi aumentando resgatando, muitas das vezes, às sucata e às fundições o material vendido ao desbaratado pela insolvência de muitas das tipografias. E o pouco que sei de tipografia foi a ouvir tipógrafos reformados, a pesquisar em manuais e na internet, e a enfiar-me (sempre que deixassem) em tipografias que ainda usasse caracteres móveis, o que ainda hoje é possível de encontrar especialmente se estas ainda fizerem livros de recibos onde são muito utilizadas. Das primeiras experiências, com textos meus, tentei ir melhorando, aprimorando, até ser capaz de fazer umas plaquetes que abri à colaboração de autores que me procuram e eu gosto ou que são convidados porque gosto do que fazem.


  1. Como descreveria a natureza da sua editora e aquilo que lhe interessa publicar?
R: É uma editora de plaquetes, que usa a tipografia de caracteres móveis, e faz tiragens reduzidas nunca mais de 300 exemplares e que não serão reeditadas. São tiragens únicas. Sempre que possível tento que haja uma colaboração com um artista visual ou gráfico que possa fazer uma capa, e que é vertida para uma zincogravura ou serigrafia para fazer uma série, e que é baseada na sua interpretação do texto. Tenho vindo a publicar mais poesia do que prosa, mas não existe nenhum género predefinido. Existe sim uma limitação material e que é oriunda da escassez de material tipográfico da 50kg. E é também por esse motivo que a plaquete tem um limite de páginas, vinte e quatro em formato A5, que têm de ser tidas em conta quando um autor submete o seu original ou é convidado. Não se pede dinheiro aos autores e paga-se com uma percentagem da tiragem. Não sei o que me interessa publicar. Sei, muito bem, o que não me interessa publicar. Não vou é explicar o que isso é ou como o sei. Direi apenas que é resultado de leituras e de uma postura que se crê responsável e ecológica.


  1. Porque escolheu esta técnica antiga de tipografia e que significado conceptual tem para si?
R: Admiro de imediato o relevo, aquela terceira dimensão do papel pressionado pelos tipos de letra, é táctil, sente-se, e vê-se, e até produz sombra veja lá. E se bem que estou consciente que o texto é o que mais importa também não me vejo a fazer fotocópias. Existir ainda esta possibilidade de ter o texto, este suporte se se quiser, é algo que para mim me encanta e me interessa partilhar. E agora que este processo tipográfico é tido como obsoleto, e isto só quer dizer que se libertou das urgências e do trabalho volumoso e enciclopédico, é possível retomá-la e com tempo explorar as suas características que darão um todo (não sei se maior que a soma das partes) e que vai possibilitar ou ajudar à criação de livros barra objectos únicos. O que é transversal às artes, ou não? É que isto já se chamou artes gráficas.


  1. Em termos logísticos, como actua a sua editora? Que tipo de tiragem, que livros lhe interessam, como faz a distribuição e qual diria que é o seu público?
R: Comecemos pelo fim: o público. Alguém escreveu, penso que foi o Roland Barthes mas não tenho aqui forma de o confirmar, que “o público é como uma criança” tente este exercício: leia uma história infantil a uma criança, uma história que ela sabe muito bem, e mude a história, ou até um pormenor, e vai ver se não é logo corrigido por ela. Se o público mandar também é assim, prefere ouvir, ler, ou ver o que já conhece bem do que ser confrontado com uma “coisa” nova ou até diferente. É por isso que os romances e as telenovelas que o público “aprecia” ou “quer” não saem daquela pacotilha das vinganças, das traições, do orgulho ferido ou em alta, ou daquele vencer na vida, que por aí rola desde as tragédias gregas sendo que estas são muito melhores. E como dizia a minha mãe quando eu era criança que eu “não tinha querer” também o público, como criança que é, aqui não tem querer! E digo isto assim que é para não repetir o que disse o João César Monteiro. Por isso, na questão de existir previamente um público ou que este possa influenciar qualquer coisa, estamos conversados. O que posso ainda dizer é que quem compra as plaquetes das Edições 50kg não possuem traços característicos, não há um perfil, alguns são jovens, outros menos jovens, uns querem ter tudo, a outros só lhes interessa ter determinado autor, uns já seguem desde o início, outros só agora descobriram. Porém, a satisfação de estarem com um livro que não é um produto, antes um objecto é-me frequentemente transmitida.


Sobre a tiragem e os livros que me interessam julgo que já respondi numa das questões anteriores passo então para a distribuição. Esta é feita num circuito de livrarias que se destacam pela proximidade e tratamento quer com os leitores quer com os próprios livros e também com os editores. As plaquetes das 50kg se forem enfiadas numa estante, e como elas não têm uma lombada vistosa, desaparecem, tornam-se invisível, e então como é que um potencial leitor vai ter um encontro com elas. Muito dificilmente. Por isso privilegio livrarias que potencializam esse encontro. E existe uma pequena rede de livrarias que acarinham muito bem as edições pequenas e as de autor e que até lhes dão um destaque. E sobretudo pagam a pronto (o que é bom e levam com um desconto). Evito deixar livros à consignação para que eles não regressem todos manuseados e dobrados. Esta rede encontra-se espalhada nos centros urbanos. Mas quem não tiver acesso a essa rede livreira também existe a possibilidade de poderem encomendar directamente à editora, através da internet, que a expedição dentro do território nacional não tem o acréscimo de encargos.

02/05/2017

150 anos...


Em 2012 Já faltavam algumas letras...
Este ano, em Agosto, faz 150 anos do nascimento do António Nobre. Pode ser que a Câmara do Porto se lembre de olhar e cuidar melhor da sua estatuária. O Raúl Dória foi decapitado, anteriormente já tinha tocado à anja do José Rodrigues um belo retalho... Recentemente foi o busto do António Nobre... Se fosse um tupperware da Joana Vasconcelos ninguém parava de palrar no assunto... Mas os mídia, como sempre, andam a dormir e näo denunciam estas situaçöes. E a estátua do Raúl Dória é mesmo ao lado do Jornal de Notícias...

Em 2015...

Em 2015...

Em 2015...

Em 2015...

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Duas maravilhosas prensas de  dourador. Um achado...






Feiras...

Se näo chover muito este fim-de-semana nas Galerias de Paris...



29/04/2017

Cartucho 2...

In-Libris

Da In-Libris | Rua do Carvalhido, 194 | 4250-101 Porto | Portugal recebi uma Newsletter: Conheça o acervo de História na estante da In-Libris, onde encontrei uma das obras mais curiosas editadas em Portugal – CARTUCHO.

(Aliás a maioria das imagens e descritivos deste artigo foram retiradas daqui, tentando ilustrar as ideias expressas no texto, pelo que apresento, mais uma vez, o meu agradecimento à In-Libris)



ALEXANDRE (António Franco) & PEREIRA (Helder Moura) & JORGE (João Miguel Fernandes) & MAGALHÃES (Joaquim Manuel). — CARTUCHO. Edição dos autores. Lisboa, 1976, 10x10x9 cm. 21ff. (Indisponível)
Edição muito restrita desta original obra, de manufactura artesanal composta por  20 poemas “amarrotados”, cinco de cada um dos autores, inseridos num cartucho de papel.
(...) O meu pai deu-nos os cartuchos, o cordel e os chumbos que os fechavam. Lá dentro ficaram poemas bem amarrotados. Mandámos imprimir um rótulo com os nossos nomes na tipografia «Proletariado Vermelho», que ficava no meu bairro. Não esquecer que corriam os gloriosos dias de 76! De resto, quando eu e o Joaquim vínhamos da Consolação com a mala do carro cheia de cartuchos acabados de fazer, fomos interceptados por uma operação stop das vigilâncias populares, à entrada da Calçada de Carriche. Ao mandarem abrir a mala do carro e ao verem os cartuchos perguntaram: — «O que é isto?» O Joaquim respondeu-lhes: — «São livros!» Como se de rosas se tratasse! Acharam coisa acertada para a revolução em curso. (Seria este o motivo para o seu poema «28 de Setembro» de Os dias, pequenos charcos) (...)”. — retirado de  Obra Poética, 3.º Volume — Meridional, Vinte e Nove Poemas, Direito de Mentir  de João Miguel Fernandes Jorge.
Não sendo o que normalmente  se designa por livro, este objecto ficou conhecido pela atribuição, dada na altura pela poetisa Fiama Hasse Pais Brandão, – de  “aquilo”.
João Barrento, na Revista Semear 4, no seu artigo Um quarto de século na Poesia Portuguesa, diz o seguinte: “(...) Com a apresentação — de “publicação” dificilmente se poderá falar neste caso — do Cartucho (1976), uma colecção de poemas soltos de quatro poetas (Joaquim Manuel Magalhães, João Miguel Fernandes Jorge, António Franco Alexandre e Helder Moura Pereira) empacotados num cartucho de mercearia e assim vendidos, estamos perante um gesto provocatório e dum desafio — no espírito da “Pop” americana ou da chamada “poesia de consumo” —, e assistimos ao fim da tradição de grupos e das profissões de fé programáticas. 
Os anos sessenta tinham estado ainda totalmente subordinados ao espírito dos Modernismos e das vanguardas históricas. Com este gesto radical (que, na sua espectacularidade neo-dadaísta, é ainda um programa, talvez o último, depois formulado com ira e nostalgia, agora entre as capas de um livro, por Joaquim M. Magalhães no poema de abertura de Os Dias Pequenos Charcos, em 1981), com esse gesto abre-se, em meados da década de setenta, uma nova fase que já se poderia considerar pós-moderna, pelo seu lado lúdico, provocatório e descomplexado (lembremos que o pós-moderno já vem sendo teorizado no Estados Unidos por Leslie Fiedler desde finais da década anterior, e que precisamente esta “geração do Cartucho” tem uma forte ligação ao mundo e à poesia anglo-americanos, nomeadamente à cena Pop). Num certo sentido, os quatro autores do Cartucho já eram então quatro vozes difenciadas, já tinham publicado separadamente e enveredaram depois por caminhos que não se podem dizer coincidentes. 
Esta nova orientação da poesia portuguesa, que se anuncia em simultâneo com a Revolução (“uma pirueta sobre o real demoníaco”, na visão de Vasco Graça Moura em 1976), mas sem com ela ter a ver directamente, é visível também na obra de outros autores que por esses anos ganham maior projecção, com destaque para Nuno Júdice e Vasco Graça Moura. Trata-se de dois poetas cuja obra ficcionaliza progressivamente o espaço lírico, rompe (tal como os poetas do Cartucho) com os registos emocionais e ideológicos e com o pathos lírico anteriores, cultiva uma abertura consciente a novas dicções poéticas e uma ironia por vezes dissolvente em relação a formas e discursos antes sacralizados, com o(s) do próprio Fernando Pessoa, para Vasco Graça Moura, ou, para Nuno Júdice, nas muitas “Poéticas” que enchem os seus livros, a linguagem hierática de sessenta, que um poeta sem escola, mas muito influente, como Ruy Belo, ainda definia nos seguintes termos: “poesia é complicação, é doença da linguagem, é desvio da sua principal função, que será comunicar. Só o poeta fica na linguagem, os outros passam por ela, servem-se dela...” (“Da espontaneidade em poesia”). 
Com os novos poetas inventa-se um novo discursivismo e uma nova retórica que levam, ou à encenação fictícia, no poema, das experiências mais pessoais e mais quotidianas (em Nuno Júdice, Diogo Pires Aurélio), ou ainda, com recurso a um largo espectro de linguagem das formas e de formas de linguagem, ao cruzamento dos grandes temas da tradição ocidental (o tempo e a morte, o amor e a arte) com o registo, em parlando, da circunstancialidade mais comezinha e dos interstícios de uma realidade “demoníaca” intensamente vivida, no caso de Vasco Graça Moura (com David Mourão-Ferreira, ele será o grande poeta doctus de uma época e de uma poesia que, com excepção de João Miguel Fernandes Jorge, irá cada vez mais perdendo as ligações à tradição cultural, para as recuperar hoje), um poeta de grande virtuosismo que assimila heranças que vão de Camões e Cesário Verde a Jorge de Sena, Vitorino Nemésio e Alexandre O’Neill. (...)”.
 
Artigo retirado daqui
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24/04/2017

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Retrato com compasso - Henri Roorda

“ Mas em breve a sociedade cobra de cada um tudo o que lhe deu. Depois de nos ter posto no espírito imagens exaltantes impede-nos com a sua moral e as suas leis, a satisfação dos desejos e, muitas vezes das necessidades imperiosas. Os seus educadores começam por cultivar em nós o gosto do belo, depois desfiguram a nossa vida transformando-nos em máquinas.

A sociedade é mais forte: facilmente se desembaraça dos indivíduos que a incomodam. Mas, em muitos casos, o indivíduo é que tem razão contra ela: ele é já o representante de uma sociedade melhor. É revoltando-nos contra a sociedade que por vezes cumprimos o nosso dever social.”

Henri Roorda "O Meu Suicídio" (1925), pág. 54, & etc, 1993. (trad. Rui Caeiro).

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