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03/10/2013


CHILE
a Salvador Allende

Ergam esse belo morto estendido sobre a porta de nogueira.
O preço do cobre subiu já de três cêntimos e meio a libra.
O ferro,
sempre o ferro; o dólar; as botas. Uma caldeira, uma caldeira,
                - gritou ele –
uma caldeira de alcatrão fervente –gritou ele – para que afogue
                nela as mãos – mãos estúpidas
com chagas dos cravos – elas não aprenderam ainda a
                enrolar-se à volta de um pescoço. Ergam-no
mais alto ainda ergam o belo morto sobre a porta de
                saída[1]. Destino
o mais amargo dos destinos: fazemos deslizar os heróis por baixo da história
                envergonhadamente
neste comboio bem aferrolhado, cheio de beatas, de cestas dos pescadores,
                vazias
com as bandeiras mil vezes enroladas para que ninguém lhes veja
                as cores
depostas em terra, sobre as pranchas, amarrotadas, travestidas
nessas trouxas que levam os mendigos enfermos, - e dentro,
                uma pedra. Em cima, sentados,
os três cães cegos e a guitarra vermelha, a guitarra de peito
                feito de Pablo Neruda.

                Atenas, 12 de Setembro de 1973

Yannis Ritsos com tradução & notas de Luís Nogueira in «Fenda – Magazine Frenética nº1», Coimbra, 1979.



[1] N. T. Erguer o morto sobre a porta da saída… Costume funerário na Grécia insular de Ritsos e em algumas zonas mais pobres do país, como a Macedónia. Costume ainda em muitos países subdesenvolvidos, é ao mesmo tempo indicador da suprema miséria (ou despojamento) e da suprema dignidade que só readquire com a morte aquele a quem tudo foi negado em vida. Daí: “Ergam-no mais alto ainda…” como diz Y. Ritsos.