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10/01/2020

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"É urgente pedirmos que cesse em Portugal de escrever quem deixar puder de o fazer. Só o que novo for virá presumivelmente a ocupar lugar na história da poesia, mas essa novidade, em vez de cultivada por si e em si mesma, consistirá antes no resplendor que sempre envolve e acompanha uma voz própria e pessoal, de tal maneira que com ela se confunde mas dela nunca pôde prescindir em tempo algum. Na poesia de um criador, a propriedade ou personalidade são o 'que', a novidade o 'como'. A novidade é o rosto onde se esconde um poeta."

Ruy Belo, "Na Senda da Poesia", pág. 69, União Gráfica, 1969.

09/01/2020

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"Sempre o pudor de quem escreve existiu. Lembra-me aquela confissão de Cesário Verde: 'Ora, meu querido amigo, o que lhe peço é que, conversando com o Dr. Sousa Martins, lhe dês a perceber que eu não sou o Sr. Verde, empregado no comércio. Eu não posso bem explicar-te, mas a tua muita amizade compreende os meus escrúpulos.'
(...) Compram-se, muitas vezes com amizade, moeda mais forte que o dólar, críticos que digam bem. Leva-se a este domínio íntimo o velho princípio dos contratos: do ut des. Louvamos os outros para que nos louvem a nós. Fazemos-lhes favores para que, no momento oportuno, no--los façam a nós. O leitor raramente repara. Chama-lhe a atenção, na página literária, o anúncio de um livro, volta a encontrar uma referência ao mesmo na secção de crítica, solicita-o uma entrevista que talvez o próprio autor tenha redigido e, mal se descuida, entra-lhe pelos olhos dentro a fotografia que aparece não se sabe bem a propósito de quê. Negociam-se comercialmente valores humanos que até aqui o pudor velava. A publicidade instala-se na própria consciência. Há o perigo de que o escritor, ao ouvir e ver tudo aquilo, se convença, tão longe foi a cadeia, de que não é ele que se está a adular a si próprio
Tomará como crítica válida para a delimitação da sua capacidade aquilo que, iludido, diz aos seus próprios ouvidos, como quem não quer a coisa. Assim se perde uma actividade nobre, que permite a correção dos defeitos e garante, em última análise, a evolução, o crescimento, condição de vida."

Ruy Belo, "Na Senda da Poesia", pp. 67-68, União Gráfica, 1969.

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"Lia Jorge Amado... Não admiro Jorge Amado. Da última vez que ele esteve em Lisboa tive a fraqueza de o conhecer e sabe o que ele me desejou?
- Diga lá, já agora.
Êxito, calcule. Não sabe como me ofendeu. Compreendi. Eu sei que, antes do lançamento de 'Dona Flor e seus dois maridos' Jorge Amado já tinha assegurados mil e quinhentos contos... Êxito, em vida, em Portugal?"

Ruy Belo, "Na Senda da Poesia", pp. 43-44, União Gráfica, 1969.

06/08/2012

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A U T O  –  R E T R A T O

Estado civil casado
nacionalidade portuguesa
triste se alegre e sorridente quando triste
muito mais egoísta se se veste de altruísta
chefe só de família olhar cansado
calva prometedora e tendência obesa
à beira dos quarenta anos de idade
e ajoujado ao peso de vários passados
tímido e trágico e capas de crueldade
tanta quão tamanho o arrependimento
temendo hoje não tanto já fazer o mal
como fazer algumas ou pior uma só vítima
incoerente e instável ora dado a bons bocados
como logo açoitado pelos ventos dos cuidados
poeta para mais por condição
homem que só pensar sabe afinal fazer
que vive a arte o amor a vida até como destruição
digam vossas mercês como devia ele ser
pois sempre assim seria inútil mesmo renascer


            Madrid, 1972

Ruy Belo