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23/04/2013

O QUE DISSE CAMILLO SOBRE O LOBO...


AVE RARA


O poeta satyrico Antonio Lobo de Carvalho, fallecido em Lisboa aos 26 de Outubro de 1787, nasceu em Guimarães, não se sabe precisamente quando. Era filho illegitimo de fidalgo, e tinha em Villa Real parentes maternos que o educaram nas letras, consoante os frades da terra podiam ministrar-lh'as. O bom que os frades tinham não o aprendeu o rapaz. Era poeta de lingua farpada, da escóla de Gregorio de Mattos Guerra, o maior e mais sujo talento que deram as plagas de Santa Cruz, desde a cidade de Jequitinhonha até á cidade de Pindamonhamgaba.

Os cavalheiros villa-realenses andavam mordidos pelas vespas das suas trovas. Lobo não perdia lanço de os satyrisar.

Em uma procissão de Corpus-Christi, o senado da terra ordenou que S. Jorge fosse em andor e não em cavallo. A razão d'este descavalgamento não é bem liquida. Ha muitos mysterios que nunca se hão de dilucidar, mormente em cousas de cavalgaduras.
N'essa occasião, Antonio Lobo de Carvalho escreveu e divulgou o seguinte soneto:

    Patria de valentões, paiz guerreiro,
    Só tu, Villa Real! comtigo fallo!
    Vão Panças e Roldões jogar o talo,
    Ou vão na tua escóla andar primeiro.

    Quem ha que os teus aguente no terreiro,
    Se até S. Jorge foram desmontal-o!
    Pois, indo nas mais terras a cavallo,
    N'esta é capucho o santo cavalleiro!

    Nos triumphos de Baccho a villa armada
    Uns com brancos arnezes, outros tintos,
    As meretrizes levam de assaltada.

    Fez-lhe o entrudo os broqueis, compoz-lhe os cintos,
    E soltou um pendão co'esta fachada:
    «Todos são pobretões; mas mui distinctos.»

Os fidalgos da villa dilecta d'el-rei D. Diniz, que eram muitos, a julgar pelos brazões musgosos em que as andorinhas dormem de verão e as corujas assobiam de inverno--assanharam-se contra o poeta, fazendo-se representar no desforço pelos seus moxillas.

Espancado e fugitivo, foi parar a Lisboa Antonio Lobo, onde conhecia um tal Anacleto, que mais tarde foi juiz de fóra em Angeja.
A mãi do poeta era remediada de bens da fortuna, e quanto tinha quanto deu ao estouvanado filho, que nunca procurou modo de vida, nem bajulou os grandes, á imitação dos vates do seu tempo.

O duque de Cadaval, D. Miguel, ouvindo recitar versos de Antonio Lobo, disse aos seus criados que lh'o levassem ao palacio... para se divertir. Um lacaio de s. exc.^a procurou o poeta e deu conta do recado. Lobo mandou-o esperar, improvisou um soneto, e remetteu-o ao duque. É o mais galhardo feito de poeta do seculo XVIII. Dizia assim: 

    Se eu fôra, excelso duque, homem perito,
    Capinha, ferrador, cabelleireiro,
    De cães decurião ou cozinheiro,
    Em sopas mestre, em massas erudito:

    Se em letra antiga visse o que anda escripto
    Do vosso grande avô, João Primeiro,
    Que o gothico mostrasse ao mau caseiro;
    Que o tombo velho nunca está prescripto.

    N'este caso, senhor, a vossa graça
    Mais quizera alcançar, que ter mil burras,
    Do metal louro que se ri da traça.

    Mas como a sorte me tem dado surras,
    Não vou servir-vos só por não ter praça
    No livro mestre dos santões caturras.

Antonio Lobo indispoz-se em Lisboa com fidalgos e frades. A mezada que a mãi lhe enviava permittia-lhe dispensar-se das sympathias de clero e nobreza. Foi muito soado e mordido um soneto que elle dardejou contra um frade leigo, dado a libações de certa taverna. Era d'esta laia o poema:

    Borracha de estamenha, ôdre sarrento,
    Mil parabens te dou ao novo estado;
    Pois de estupido leigo a um jubilado
    Lente de rolhas vaes em largo vento.

    Se ha longos annos mettes fogo lento
    N'essa pança que é mãi de vinho aguado,
    Frei Bourdeaux será hoje o teu prelado,
    A adega d'esta casa o teu convento.

    Bebe, esponja claustral, té que a fumaça
    Das vasilhas de França encha as pichorras
    De umas bebadas tripas de outra raça;

    E, antes que os limos dos toneis escorras,
    Fuja o do Carmo, fuja o Leão da Graça,
    Que hoje o que reina é o Leão dos Borras.

Ao odio do clero e nobreza, ajuntou o poeta o odio do povo representado nas pessoas dos capellistas, acirrados por estes versos:

    Um rapaz a gritar como um cabrito
    Com saudades da mãi sobre o vallado,
    Que entre duas canastras vem deitado,
    Em burro de almocreve, ancioso e afflicto;

    Com rosario ao pescoço mui bonito,
    Descalço, de barrete e de cajado,
    C'um sacco á cinta, onde traz (coitado!)
    A sua côdda, o seu bacalhau frito.

    Posto a pé este misero mamote
    Ora cahe, ora treme, ora encordôa,
    Um lhe prega um sopapo, outro um calote.

    Pois esta figurinha ou má ou boa
    Faz qualquer capellista franchinote
    Quando vem do sertão para Lisboa.

N'esta vida de odios e irritações, viveu Antonio Lobo de Carvalho até aos cincoenta annos. Se nos merecesse credito o que João Bernardo da Rocha escreveu no Portuguez, tom. X, pag. 356, o atrevido vate haveriasido aleivosamente assassinado por ordem de um tio do marquez de Olhão, a quem o maldizente frechára com um soneto que abria assim:

    Ferrabras, Satanaz, Fernão Zarolho,
    Cruel harpia das que o inferno encerra...

Mas o snr. Innocencio Francisco da Silva, posto que não decida qual haja sido a morte do poeta, com justificados motivos desabona a affirmativa de João Bernardo da Rocha.

Eu tambem não sei. Ando n'essas pesquizas; e receio ir dar com elle no hospital, expirando envolto em gloria... de cataplasmas de linhaça.


CAMILLO CASTELLO BRANCO

 ver mais: http://www.edicoes50kg.blogspot.pt/2013/04/40-alegrias-do-lobo_2546.html

40 Alegrias do Lobo...


40 Sonnets (Inedits?)
De António Lobo de Carvalho (O Lobo da Madragoa)
por Claude Maffre


Manuscrito de António Lobo de Carvalho (O Lobo da Madragoa)



ms. 8582
               ms. 8793
éd. de 1852
nombre total de sonnets………
87
77
186
sonnets se trouvant également dans l’édition de 1852.......…….
     dont: comuns aux 2 ms…….
                non comuns………

54
34
20

59
34
25

sonnets non publiés en 1852…
     dont: comuns aux 2 ms……
                non comuns…………
33
12
22
19
12
6



I.                    Premier Groupe:
Manuscrit 8582, Sonnets 1 à 34

1.      ms. 8582, p.5

Neste soneto finge Lobo conversar com hum amigo. He huma satira aos Capelistas

      Amigo  Que soneto he este teu? Fizeste-a boa,
                  Com quem Lobo, com quem jogas as cristas?
                  Naó vez que nesta terra os Capelistas,
                  Saó os primeiros homens de Lisboa?

                  Queima a satira; faze-lhe huma lôa.
Chamando-lhes bons homens, bons violistas,
Naõ vez, que sem que tu os taes envistas,
Tens o Macedo acezo pella proa?

                        Lobo    Sim, amigo, nasci para trabalhos;
                                   Naõ duvido faraó das minhas peles
                                   Manguitos, tiras, luvas, e  retalhos;

                                   Mas se os versos naó forem, mais que aquelles,
                                   Quer sejaó bons rapazes, quer bandalhos,
                                   Eu sempre (ad cautellam) cago nelles.

2.      ms. 8582, p.9
Ao mesmo[1]

            Pontes, milhafre, prole de Sovellas,
Gandaeiro de nobres apelidos
Tu perzumes, que aquelles saó perdidos
Vagantes para o Fisco das Capellas?

Se na nota encontraste essas novellas,
Em mínimos impostos esquecidos,
Dexa-as ir aos Legados naó cumpridos,
Que os doidos do Hospital, se servaó dellas.

Naó sacudes em ti taó largo Hizope,
Que inda que seques toda a benta Pia
Naó te lavas por mais que o Mar ensope:

Nem perzumas ter outra Senhoria,
Pois se hum teu Avó sobio ao tope,
Outro poz o solar na padaria.


3.      ms. 8582, p.13

Ao Soneto q fez Joaó Xavier de Mattos, aos anos do Conde Pombeiro, que principia:

            O roxo Baccho, que expremendo andava,

Soneto
                                  
                                   Mais que nunca, por sóbrio, por discreto
                                   Campaste meu Joaó, que o Mez passado,
                                   Algum Deos do Barreiro viste ao lado,
                                   Fosse qual fosse, eu nisso naó me metto:

                                   O que sei he que vi hum teu soneto
                                   Feito entre Muzas, onde tinha andado,
                                   Vinho a trez tornos, tudo alvoroçado,
Baccho a tombos, Copido n’hum terceto:

Que morres feito hum Cisne, he sem demora
Pois pegando a beber toda a Assemblea,
Começaste a cantar co vós canora:

Isso naó he Poezia, he jacobéa;
Quem faz anos, que os faça muito embora,
Bebe tu, naó te importe a vida alhea.


4.      ms. 8582, p.14

A morte do Abbade de Polvoreira, Jozé Moreira da Silva.

            Deserta solitária Polvoreira
            Agora está de todo abandonada,
Já de teu Cedro á sombra dilatada
Naó dorme Guimaréns sem cabeleira:

Como está só! Nem huma choradeira
S’encontra ao pé de ti, nem pella estrada,
Quando nessa espeçura bem povoada,
De carne, vinho e Paó, foste huma feira.

Tarde, ou nunca hum l’Abbé ahi se apanha,
Que a Momo, e a Baccho no seu lar hospede
Com tanto aceio, porfuzaó tamanha;;

Mas tem por certo e o mesmo cazo o pede,
Que ao atravessar do Lethes a campanha,
Se foi com falla, naó morreu com sede.


5.      ms. 8582, .22

Ao mesmo[2], por occaziaó de huma Funçaó que fez em Sacavem, constou de festa de Igreja, touros etc., querendo elle mesmo ser o Pregador, pedio licença ao Patriarcha Saldanha, que lha naó quis conceder, porm o Talaya mandando preparar huma Cela rediculamente armada, recitou nella hum Elogio a El Rei D. Jozé, a quem se derigia a ditta função.

      Pregaste meu Jan-Dias gentilmente,
Contricto Sacavem assim o abona,
E a plebe excomungada entaó chorona,
De pranto fez no Tejo horrenda enchente.

Julgaraó ser de Predica insipiente
Quem de lança a Cavallo só blazonna
Mas em textos de Rego, Paiva e Pona,
O que aos burros se faz, fizeste á gente!

Duro freio puzeste a esse malvado
Saloio, que mudando hoje de trilho,
Pregador te acredita, jubilado.

O que me resta agora he se te pilho
Nas temporas que vem, feito Prelado
A dar Ordens menores a teu Filho[3].


6.      ms 8582, p. 23

Tirando o Tenente General Bartholomeu da Costa da Fundiçaó a Estatua Equestre, achou a rara ideia de fazer trabalhar os Algaravios em silencio.

      Qual vil Galego que enrolhando as bragas,
C’o sentido no cobre ferrugento
Passa hum homem na rua de S. Bento[4],
Saó e salvo do impeto das vagas.

Os algarves tambem, que a lingoa em chagas
Tem, das pulhas que dizem cento a cento,
A Regia Estatua pôem a salvamento,
Da horrenda innundaçaó das suas pragas.

O Insigne Costa á Maquina os convida,
Mostrando-lhe hum tonel de inchaçaó bruta
Onde os Caffres se banhem sem medida:

«Leva rumor (lhe diz) que ao fim da luta,
Vinho mudo será vossa bebida,
Até que rebenteis filhos da puta.»



7.      ms. 8582, p.27

Aos Deoses do Gentilismo, que o Marquez de Pombal tinha mandado tirar do bom Jezus do Monte, e que depois de sua morte foraó colocados no mesmo Santuario.

      Apollo, Ganimedes e Narcizo,
      No Limbo de Val d’este encarcerados,
Já o tempo chegou, que a ira dos fados
O horror da pena, vos converte em rizo.

Quantas aranhas, quanto pó devizo
Que a prizaó vos teceu nos estufados,
Varre-se tudo, e lêde alvoroçados,
Deste correio o mais gostoso avizo.

De Abril aos vinte e sinco, e mais dois dias,
Borrou-se a sua Estatua, o seu governo,
Ao Amado das Naçoés das Porfecias.»

Quero dizer, segundo o meu caderno,
Que o Marquez de Pombal vosso Messias,
Vai ter com vosco breve-mente ao Inferno.


8.      ms. 8582, p.29

Á morte do celebre Acipreste de N. S.ª de Guimarens, Poeta gotico, Cafre da Europa, fallador Eterno, liberal aparente, e caritativo de relâmpago.

      Aqui jaz o Acipreste, que truncado[5]
Cahio já de velhice ao vicio adusto,
Hao-de-lhe as Musas erguer cad’anno hum Busto.
Em quanto houver quem pinte louça em Prado:

Barrete, e Murça, tudo abandonado
Da Oliveira pendura ao tronco Augusto,
Por náo ter sucessor loquas sem susto,
Que mentisse como elle em tom rasgado:

Foi do sancto favor flagelo inniquo
E depois que abjurou Venus e Baccho,
Ficou sendo o seu Deos o seu bolsico;

Mas com ter de vinténs hum largo saco,
Nunca deo mais ao Mendicante, e ao Ricco
Que huma pitada em cobre, ou em tabaco[6].


9.      ms. 8582, p.30[7]

Ao Fidalgo de Pantomina Antonio Jozé de Brito, jazendo no Limoneiro pelas suas costumadas destrezas.

      Naó há prizaó no Mundo mais decente:
      Guarda Brito a vergonha na barriga,
      Que o teu cazo naó he cazo de briga,
Antes foi alegraó, que deste á gente:

O Sáavedra e o Nicóz fortuna ingente
Fizeraó ambos c’ao falçaria intriga,
Hum foi Nuncio volante, outro se diga
Guarda-mor do Bogio eternamente:

Tu tambem até ir p’ra o Limoeiro
Correste atraz das honras como hú galgo,
Bacharel, Auditôr, depois Porteiro:

Oh gram bazofia, se naó for mais algo,
Taó máo era o Alvará de Caloteiro,
Que mais querias para ser Fidalgo?

10.  ms. 8582, p.33

Satisfaçaó que dá o Lobo a S. Braz, pello Soneto antecedente[8], em occaziaó que se achava com huma grande tosse.

      Nem verdade meu Santo, nem cordura
Tratei c’o graó Mecenas das gargantas,
Quando apenas podia ás vossas plantas
Queixar-me só da minha ventura.

Gastou-se hum anno té me vir madura
A seria contriçaó dessas maós santas;
Por menos culpa, tem-se visto tantas
Guellas como a minha á dependura!

Bendito seja Braz do Tejo ao Nillo!
Cantem comigo as Musas em magote
Do humano servidor o nobre azillo.

Antes que o fado máu daqui me enxote
Daime vós, limpo e secco o gorgomilo,
Que a côdea tenho eu cá em Saó Calote.


11.  ms. 8582, p.35

A hum desfio, que tiveraó dois officiaes de Ordenanças, que pucháraó pelas espadas, sem as saber manejar.

      Mil parabens, Lisboa, hoje te ordena,
Te pendura por sêllo na patente,
Rompendo o campo Campiaó valente,
Rival d’Eugenio, assombro de Turenna!

Hoje he que tu de Marte honras a scena
Brandindo esse espontaó omnipotente,
Que se chegue algum caó até mordente,
Veras se tens na maó arrocho o penna.

Deixás-te as nove Irmans, foi acção crúa,
Mas vendo o Sancho Pança, o desapego,
Tiras o Louro da fronte, e o põe na tua:

Tens de graça as insígnias deste emprego,
A banda entre os rapazes dessa rua,
A golla n’hum xouriço de Galego.
           
           
12.  ms. 8582, p. 36

A huma grande maçada, que se deu no largo das Olarias em huns clérigos tumbeiros.

      Lameiras velho, tu, e o teu menino
Sois papões do bairro dos oleiros
Que elle dezanca os clérigos tumbeiros
E tu lhe acodes c’o bastaó campino.

Sahio teu bravo filho no ar ferino
Qual Avô, bravo Pança dos terceiros,
Se o Padre c’o elle uzou termos groceiros,
Foraó bem dados, sirvaó-lhe de ensino.

A estas horas, que ás vezes saó mingoadas
O bronco Padre em cantochão se oferece
Á reza das merces já sepultadas.

Teu filho, que em pobreza e honra cresce,
Talves lhe respondeu ás arrochadas,
Por naó ter outra couza que lhe desse.


13.  ms 8582, p.39

A hum cavalheiro de Provincia, que dezia, que era parente da Familia mais nobre de Portugal.

      Doutor das peles, Bacharel felpudo,
      Fidalgo na Provincia, e na aliança,
Sem vintém, sem real, e sem esperança
Donde elle haja de vir, que he mais que tudo:

Chefe de tolos, mocetão pernudo,
Bazofio eterno, dado todo á chansa,
Que aspirando a morrer na lei de França
He hum martyr galego assás patudo:

Eilo que chega; o Toiro dos rapazes
Naó traz mais gente posta em exercício,
Que elle traz dos Versistas, seus sequazes:

Ora asneira a valer serve este officio;
Mas dá cá essa maó, façamos pazes,
Naó vai a murmurar que hés meu patricio.


14.  ms. 8582, p.40

Ao Marquez de Penalva, senhorio das Cazas onde o Author morava, sendo notoficado pelo Feitor do Marquez, lhe respondeu com o seguinte, depois de despejar.

      Qual duro Freitas, que a homenagem zella,
Antes que a praça entregue à maó armada
Busca do Sancho a urna afferralhada,
E as chaves que aseitou introduz nella;

Assim eu que os Esbirros da janella
Persentindo stou sempre ao pé da escada
Em vossas maós Marquez, desta Morada
Reponho a chave e me despesso della:

Antes que a enxerga o tal Feitor me venda
No Castello, de Mestre de Meninos
C’o favor do Manique hirei pôr tenda:

Aqui semestres passarei genuinos
Que a entrada franca, e o fiador á Renda
Tudo fica á eleição dos Inquilinos.


15.  ms. 8582, p. 46[9]

À Procissaó que se fez por occaziaó do Desacato de Palmella.

      Vaó tristes Cortezaós de dor singidos,
      C’os as maós erguidas, olhos decadentes,
Todos de luto, todos penitentes
Do seu mal, e do alheo confundidos:

Soaó contra Palmella altos gemidos,
Mas em vez de taó pios convertentes,
Outos varoés nas Artes emninentes
De ponto em branco houveraó d’hir vestidos.

Sem mais pingos de cera, nem fumaça,
Levem ao peito os Mestres d’obra prima
D’hum pavio d’esparto huma baraça.

Eis-aqui o acto, que o bom Deos estima
E, se tal prossiçaó deve hir á Graça,
Vá direita ao Cardal q’ he logo asima[10].


16.  ms. 8582, p. 47

Aos empregos que estavaó dando a pessoas incapazes de os desempenhar no tempo d’El Rei D. Joaó 5º.

      A Cruz alçada, Oremus, e hum corsário,
Que esmolas guinda ás gentes importuno,
Deste bom terço sae hum bom gatuno,
Co’a faca n’huma maó, n’outra o rozario.

Se aduba hum Caldeiraó hum usurário
Passa logo da plebe a ser tribuno,
E alem das Aguas-livre, fica alunno
No subsidio de alcunha o literário!

Vos, do frondoso Lethe abitadores
Vinde ao Tejo outra vez, vede o chuveiro
De Siganos, que saó nossos Pastores:

Róe a estupida traça o Sceptro inteiro;
Pegue nelle hum de vós, Reáes Senhores,
O Segundo Joaó, José Primeiro!


17.  ms. 8582, p. 49[11]

A hum Leigo do Convento de Jesus, chamado Frei António da Angustias.

      Borracho de estamenha, ôdre sarnento,
      Mil parabens te dou ao novo estado,
Que de estupido Leigo a hum jubilado
Lente de rôlhas vais com largo vento:
Se á longos anos metes fogo lento
Nessa pança, que a mais de vinho aguado,
Frei Bordaó será hoje o teu Prelado,
Adega desta caza o teu Convento.

Bebe esponja claustral, thé que a fumaça
Das vasilhas de França encha as pichorras
D’humas bêbadas tripas de outra raça;

E antes que os limos dos Toneis escorras,
Fuja o do Carmo, fuja o leaó da Graça,
Que hoje o que reina he o leaó dos Borras!


18.  ms. 8582, p.53

A Frei Mansilha

      Quem achasse ou souber de hum venerando
Camafeu, de peruca assas comprida,
Verde negro de cor, a barba erguida,
Por modo que na prôa está fumando:

A cruz no peito quasi tremulando
No listaó de huma braça bem medida,
A maó direita nos calçoés metida,
Por modo que as alforges vai cossando:

O manto senatório, mal traçado
Sobre a bola da pança, o aspeto misto,
Em ar de homem-zarraó alcatruzado:

Va dizer onde está o tal registo
A frei calvo, Esmoler, que pello achado,
Dá dois coices a quem lhe souber disto.


19.  ms. 8582, p.56

A grande quantidade de Ladroés, que havia em Lisboa os quaes chegáraó a roubar de dia.

      Fechem-se os Tribunaes, ninguém mais queira
Sahir fora caza, e por cautela
Tranque-se a porta, tranque-se a janella
Até ver no que pára a ladroeira.

Naó ha lugar seguro; a vez primeira
Que algum dos taes menos me atropela
Vai-se a bolsa, vai-se a fivela,
E a mesma vida cahe na ratoeira:

Deos se lembre de nós, que naó he graça
Darem c’hum tiro cabo de meus dias,
E porem-me em S. Roque a ver quem passa[12].

Fassaó-se Preces pelas Freguezias,
Que se naó abrandar esta desgraça,
Naó me arredo do pé de minhas tias.


20.  ms. 8582, p66

Á moda dos Espadins, ou Rocas, que se uzavaó muito dianteiros, e atravessados.

      Inda naó he (sô tollo) esta advertencia
Ás trancinhas tocante, e ao casquete;
Quero só que reprehenda o seu florete,
Que anda exposto, a lhe armar huá pendencia

Fassa-o vir mais atraz, que hé insolencia
Que a gente que vem vindo ahi se’espete,
Nem você pode ver por onde se mette,
Se he tanta a perna, tanta a concurrencia.

Tollos há, bem sei, de humor taó brabos,
Que a fedúcia (se ouver quem lha desminta)
Tudo logo ali vai com mil diabos;

Mas você em tal caso está na tinta;
Metta pois na barriga a folha e cabos,
Já que so a ponteira traz á sinta.  


21.  ms. 8582, p.67

Á grande, e redicula quantidade de papeis que se imprimiaó naquele tempo.

      Que naó oisa eu gritar neste Rocio
Nessas ruas, e becos de Lisboa,
Mais que hum milhaó de cegos que apregoa
Papeis sem graça, versos com bafio!

Passa hum mêz, passa hum anno, e sai a fio
Mao Entremez, má Eglogoa, má Loa,
Sem que haja ao menos huma couza boa
Entre tantas, taó dignas de bafio!

Que he d’esta gente sábia que critica
E a tudo que he alheio dá de rosto,
Por que o seu no tinteiro deixar ficar?

Serto hé que o Estudo cansa e dá disgosto,
Bom he ralhar: bem asno he quem se aplica.
Basta gritar, boa critica, bom gosto!...


22.  ms. 8582, p. 68

Aos que poem o lenço na bôcca quando sahem do Theâtro.

      Anda huma seita aqui de semi-doentes,
Qu’entre as mais leis de profissaó comua,
Todos haó de trazer em vendo a Lua,
Por insignia hum farrapo sobre os dentes.

Ao vir da Opera esperaó que as mais gentes
Sayaó primeiro, em quanto a testa sua,
E fingir devem que o ar os atenua,
A modo de peneiras transparentes.

Foi de tal instituto e formulario
Piégas fundador, que a sua norma
Pouco vio decair do seu primário;

Mas hum guarda do tronco aqui m’informa
Que o seu bambum tem feito Missionario
Para entrar c’o esta gente na reforma.


23.  ms. 8582, p. 186

A Joaó Xavier de Matos, estando para sahir da sua prizaó da Vidigueira, onde era ouvidor pelo Exmo Marquez de Niza.

      Joaó naó venhas cá, inda que envolto
Vivas dessa prizaó no horros profundo.
Tens côdea serta, e cama em que dar fundo
Naó he taó pouco, tuto questo es molto.

Tudo aqui com ladroés anda revolto,
O homem serio c’o traste vagabundo,
Que mal sabe as tramóias deste mundo
Quem te dá parabens por te ver solto:

O Castelo, e o Texugo bem fadado
Saó os dois a quem podes ter inveja,
Com o vinho a oito, com as mossas abastado:

Mas disto rirás tu, sempre assim seja.
Depois que estás na serra ou no montado
Do liberal Pastor que reina em Beja[13].


24.  ms. 8582, p. 187[14]

Despedindo-se o Lobo do Conde da Calheta para ir viajar pella provincia de Entre Douro e Minho.

      Vou tentar grande Conde o duro Minho,
Que o Tejo para mim todo he barrento,
E como enfermo, que busca outro aposento,
Dá indícios de que á morte está vizinho:

Vou ter co’a terra que produz o linho,
Que as Olandas afronta, e levo intento
De ver se he taó famozo no alimento
Em Melgaço o Prezunto, em Ponte o vinho.

As muralhas da patria, as contrafeitas
Ameixas de concerva assucaradas,
Tezouras, facas tortas, e direitas.

Tudo verei, que o ver naó custa nada,
Guapas contas Senhor estaó bem feitas,
Mas naó ha hum vintem para a jornada.


25.  ms. 8582, p. 190[15]

Ao Conde da Calheta em dia de finados, em cuja Capella ouvio o Lobo varias missas.

      Huma foi por meu Pai que mil pezares
Nesta vida me deu de tranca ingente,
E a minha Mai, eu pedi somente
A bençaó do alto Ceo por esses ares:

Das mais todas, Senhor, huma colecta
De sufrágios porêis no taboleiro,
Que daqui ao outro mundo se acarreta;

Mas o momento, que fareis primeiro
Seja só pertençaó deste Poeta,
Que está tocando as almas por dinheiro.

Ja de missas contei sincoenta pares,
Que hoje ouvi meu conde instantemente,
Que eu oiço e vejo mui sofrivelmente,
E ouviria mais se houvera mais altares:


26.  ms. 8582, p. 191[16]

Novo método de dar as boas festas pelo Natal ao Exmo D. Gastaó da Camara Coutinho.

      Teve o Egypto Senhor varoés perfeitos
Qual no tosco Perzepio houve hum menino,
Que o rigor estimáraó do ar ferido,
Que ao Estio ardente andavaó satisfeitos:

Negras amoras tinhaó por confeitos
Marmelos bravos duros como sino,
Eraó desses heroés manjar divino
Lençoés aos gelos, os penhascos leitos:

So eu que de christaó tenho algum brio
Ao tempo que Deos dá naó dobro joelho,
Chamo ao vento ladraó d’alto assobio;

Mas por que? Por que falto de aparelho
Tentei na festa resistir ao frio
Com vinho novo e de capote velho.


27.  ms. 8582, p. 192

Ao nascimento do Primogenito da Caza de Pombeiro

      Venha mais esse heroé do alto destino
Juntar-se aos seus heroés, parabem seja;
E gritos que tem dado a negra inveja
De no berço eu cantar a este menino:

Mas elle que inda hum fasto peregrino
Vem encher longos annos que o Ceo veja,
Entaó he que esta Muza ao que praqueja
Rouca voz trocará em tom divino:

Juro excelso Jozé ao nome santo
Que o Pindo illustra sempre o vosso herdeiro
Nobre assumpto ha de ser para o meu canto:

Sempre a boa encherei do graó Pombeiro
Como hum cego freguez, esto he em quanto
Eu tocar na sanfona, e elle em dinheiro.


28.  ms. 8582, p.193

Aos anos da Illma D. Maria Magdalena da Cruz Sobral, mulher de Anselmo Je da Cruz.

Já naó vemos que austeras Eremitas
Pelas margens do Nilo á competência,
Huma canta o rigor de penitencia,
Outra as graças do Ceo na sorte escritas:

As Luzardas, e Laustraes, as grandes Ritas
Já naó vivem com nosco, e a sua auzencia
Parece haver deixado em decadência,
Ou sem Mai as virtudes, ou proscritas:

Esta d’hum ermo hé d’hum claustro a idéa.
Mas a próvida maó, que está mais alta
Nova heroína de explendor rodea:

Foi neste dia, que os annaes esmalta
Quem vio Matrona de piedade cheia,
Que em vós nascendo nos fizesse falta.


29.  ms. 8582, p. 194[17]

Ao Fuzarias, afectando desprezo da Corte, por enveja que lhe tem grandes do Reino seus parentes, da sua antiguidade, riqueza e descripçaó.

      Hum Fidalgo mordido das bexigas,
Careca, e de empoupada cabeleira,
Geral parente em todo Minho e Beira
Das cazas mais notáveis, mais antigas:

Prezo de Estado á conta de intrigas
Do Marquez seu rival, cuja poeira
Desfez, como hum heroe, que n’algibeira
Mais cruzados pussue, que o chaó formigas.

Frautas, rabecas, armazéns de vinhos
Do alto Doiro, com outras prendas varias
Tudo para o seu genio he hum cominho:

Digno Varaó de eternas luminarias
Quem será este traste? naõ adevinho,
Mas parece o Illustríssimo Fuzarias!


30.  ms. 8582, p. 198[18]
                       
Que pertendes de mim ó louco amante
Desconheces meu ser? Que te ademira;
Naó sabes a razaó por que conspira
Em minha Natureza o inconstante?

Sou mulher e naó posso ser constante,
Tu dizes que sou falsa, isso he mentira,
Fôra falsa se temendo a ira
Sujeitava á firmeza o variante:

Tu queres que por pagar huma fineza
Eu contrafaça em mim o genio fero,
Naó pode ser, naó mudo a natureza;

Tem por gloria saber que te venero,
Que se em mim se pudesse dar firmeza
Entaó te tributara amor sincero.
31.  ms. 8582, p. 216[19]

A Frei Manoel de Saó Carlos, pirata dos lugares santos.
     
      Como pode subir a tanta altura
Este padre dos Caldas, sendo alvar
Era pobre, hoje rico, e a gaguejar
Caga razoes que nem o demo o atura

Coloiado com certa creatura[20]
A Provincia chegou a governar
O que lhe falta agora he só pilhar
Carta de jubilado sem leitura:

Solideo, já tem, tem livraria,
Boa cela, bons trastes, bom ardil
Nos comercios que faz com a Turquia:

Herdou dos pais hum nascimento vil,
Mas tomando as liçôes da fradaria
Achou na Terra Santa o seu Brazil.


32.  ms. 8582, p.219

Só tu Talaia, só tu tens magano
A lembrança de armarte de cazula
Qual Bonzo de Nankin co’a barba fula
Benzendo a Esfera entre o Povo indiano.

Só tu entrando assim no curro ufano
Escommungas de estola a vil matula,
Fazendo as vénias na inflexível mula
Que em cada sorte consumiste hum anno:

Digo-te mais, que assim te desfiguras
Que em prata, e cobre, desd’a popa á prôa,
No caes de Santarem hum barco apuras;

Mas já que da Tragedia erraste a loa;
Toda a vida andarás sem ferraduras
Pobre burro na feira de Lisboa.


33.  ms. 8582, p. 223[21]

Aos annos de Anselmo Je da Cruz Sobral

      Fui ao Templo da Fama, e inda aterrado
Concervo horror no gesto macilento,
De Cezar inda achei o sangue lento,
E o copo de Alexandre envenado:

Ali chorava Xerxes ja frustado
Das suas quilhas o vaidoso intento,
Bruto, Lepido e Antonino igual tormento
Tem de Amor, e ambiçaó no altar sagrado:

Mas eis que a Deoza vendo o graó desdoiro,
E aos Heroes se estendeu em vida ufanos,
Completo Heroe consulta o santo agoiro.

Lavrando sobre a urna dos arcanos
Ao grande Anselmo, grande estatua d’oiro,
Que lhe offerece por prenda dos seus annos.


34.  ms. 8582, p.225[22]

Rendez vous que o Author mandou fazer ao Camelaó domestico subterraneo, do Exmo Conde de Pombeiro, Capitaó da Guarda na occaziaó do despacho de S. Exª como seu bemfeitor.

      Parabem meu Camelaó alcatruzado,
Minha Muza esta vez te fala seria,
Que o termo chegou já, que da mizeri
No monturo dormiste abandonado:

A gola a banda, o ispontaó doirado
Leva ao Caes em troféo da fama aéria,
Que hoje tem menos lida, e maior féria
C’hum sabio Conde hum Capitaó ouzado:

Se éras burro de moscas guarnecido,
Sedo porás aos hombros carreteiros
De galoés côr de palha outro vestido:

E aprovando-te a pele dois odreiros
Virá hum dia que o campiaó luzido
Em tambor te reforme dos Archeiros.


II.                 DEUXIÈME GROUPE:
INÉDITS DU MANUSCRIT 8793, SONNETS 35 À 40

35.  ms. 8793, f. 11 v

Eu tambem fui d’amor à sacristia,
Que he hum quarto interior do Talaveiras
Onde estâo mil milhôes de alcoviteiras
Offertando a rafada putaria.

O rancho ali dos rafiôes fazia
Arripiar os anneis das cabeleiras
Que descendo-lhe o vinho às algibeiras
Davâo cada facada que estrugia.

Sahia o manso corno para fora
E o pobre chischisbeo vi que trabalha
Por d’albarda servir qualquer senhora.

No tecto estava amor d’escudo e malha
Com seis vinténs na mâo e a pica fora
mijando em toda aquella vil canalha.


36.  ms. 8793, f. 45 v

Agora, meu Porrâo, que estás cazado
olho nella até ver, toma sentido,
nâo lhe mostres afecto desmedido,
para que nâo te habilite a ser coitado.

Foge-lhe de estilo afidalgado,
tu chama-lhe mulher, ella a ti marido,
que esta frase, que diz mano querido
he o mesmo que corno desejado.

Isto d’Opera, assamblea, ou outro encejo,
bem que nunca lá a leves nâo he perda,
nâo serás cuco ao menos no desejo.

E s’a chibança d’honra se nâo herda,
come chouriço, pôe-te no Alem-Tejo,
bebe-lhe bom vinho, e vai beber da merda.


37.  ms. 8793, f. 46 r

Ao grande Joâo Carneiro Fuzarias

      Fuzarias Maltez, Sancho Carneiro,
de cravo ostenta aqui trompa e canudo
dizem as mossas, que parece em tudo
ter nascido em algum clima estrangeiro.

Elle as verbas, que dá, peza-as primeiro
da rasão no fiel com sabio estudo,
nem dos claros Avós falla no escudo,
por si mesmo quer só ser cavalheiro.

Eis aqui hum rapaz que honrara a Toga,
E he magoa, que a fortuna assim lhe fuja,
Se ler soubera, como o irmâo advoga.

Mas apezar da inveja negra e suja,
algum dia o verá que elle joga
feito Chefe das tropas d’Azambuja[23].


38.  ms. 8793, f. 48 v

Meu Macedo, tu pregas doutamente
Tens arte a attrahir, tens energia,
tu na conversação, na companhia
tens agrado, tens modo, és eloquente.

Tu tens merecimento, és bom vivente,
e contrario dizer he tirannia,
os teus versos sâo bons, tem armonia,
por mais que deles ralhe o maldizente.

Louvaste a Zamperini transportado,
eu to desculpo, em fim he a primeira
que nos tem no teatro arrebatado.

Porem fazendo justiça sempre inteira,
pomada, anneis, cabelo polvilhado
e no meio huma coroa, he bandalheira.


39.  ms. 8793, f. 52 r

Ao padre Caldas.

      Caldas, nâo venhas cá, levanta hum dique
antes que o Minho com teu pranto cresca,
que o Tejo só ladrôes traz na revessa
de roca, e espada, que nâo tem despique.

Ambos os sexos, queres que me explique,
Sahe tudo á noite aver se achâo remessa,
e o que piza sem susto huma travessa
topa n’outra os corsarios do Manique.

Braga e mais Braga, mas dos seus manjares
nâo comas freiras cuja lingua he bronca,
nem vinho bebas, que nâo for de Amares.

Joga o Wisth barato, ou joga a conca,
que eu se tivera hum só dos seus gaspares
bem se me dava a mim do mar, que ronca.


40.  ms. 8793, f. 64 r

Ao Dr Santareno sahindo a açoitar com o cabelo tâo crescido que se nâo conhecia.

      Encaixado o nariz dentro n’hum cofre
de cabelo na nuca radicado,
e o mais na barba de honra pendurado,
digno emprego de hum mineral enxofre.

Neste ar, Senhor, que exemplo nunca sofre
caminhava  o doutissimo açoitado
fingindo ao vivo o que se vê pintado
no painel meretriz de Santo Onofre.

Qual felpudo câo d’agoa hia ligeiro
coiro nú e a boca no lombo iniquo
de monge em trages o ladrâo primeiro.

Vâo rapador, meu Conde, he que supplico,
e se o Irmâo Nobre lhes nâo der barbeiro
eu darei o vintém do meu bolsico.




[1] Le sonnet précédent (p.8 du manuscrit) figure à la page 84 de lédition de 1852 avec ce titre: «Á nimia sécia do escrivão João Manuel de Pontes, ostentando ser o mais illustre escrivão que tem apparecido, desde os Evangelistas até estes tempos». Dans le manuscrit, le titre est le suivant: «Ao escrivaó do Fisco, das Capellas, Joaó Manoel Xavier de Pontes Bernardo Macedo Cabral de Moraes Cogominho Alcaçar, por furtar estes apelidos, afim de se fazer nobre».
[2] Le sonnet précédent, auquel le titre se réfère, se trouve dans l’édition de 1852 au nº XLII.
[3] «Tinha hum filho, q’ nas Temporas próximas havia tomar Ordens». Le ms. 8793 renferme également ce sonnet, f. 37 v.
[4] «No tempo invernoso he taó grande a enxurrada nesta Rua, que tem acontecido muitas vezes serem levadas pella sua furiosa corrente varias seges. O Author alude aqui ás pessoas, que naó se querendo molhar, passaó para qualquer lado da Rua ás costas de Galegos, que fazem destas passages, hum género de Tráfico.»
[5] Era hum homem mao, de hum caracter conforme o descreve o Lobo. Era muito enthuziasmado em Nobreza, sendo filho de hú pobre oleiro de Villa de Prado, e hú g.e fallador. Supunha-se hú Poeta eminente, sendo apenas hú trovista. Era mto. ricco, porem taó miserável, q’ á força de instancias, he que dava trez reis; foi mto. debochado, e mentiroso toda a vida.
[6] Ce sonnet se trouve également dans le manuscrit 8793, f. 69v. Au vers 2 on trouve raio à la place de vicio. Une note explique Prado: «lugar em que se faz muito má louça». Enfim le vers 7 contient une leçon plus claire à touts égards: « Por naó ter sucessor de molde justo».
[7] Ce sonnet est attesté par deux manuscrits: 8583 (p.64) et 8793 (p.64). Ce dernier écrit Potreiro es nom Porteiro avec cette notte: «Era capitão de cavallos». Ce qui nous paraît plus convaincant.
[8] P. 14 de l’édition de 1852
[9] Ce sonnet figure également dans le ms. 8793 (f. 66 r).
[10] «Entaó estava a Forca no Cardal da Graça».
[11] Le manuscrit 8793 (f. 45 r) atribue ce sonnet à Lobo de Carvalho et propose le titre suivant: «A Fr. Angustias, leigo de Jesus, embebando-se em caza da Piemonteza». Au vers 1 sarnento devient sarrento et au v. 7 Frei Bordaó se change em Frei Bordeaux; cette leçon convient mieux, semble-t-il, à l’esprit du sonnet et l’allusion aux vasilhas de França, v. 10, s’en trouve ainsi renforcée.
[12] «Era entaó costume expórem-se no Adro de Saó Roque os mortos que apareciaó».
[13] «O Bispo de Beja favoreceu muito o d.º Mattos».
[14] Le ms. 8793 (f. 49 r) renferme également ce sonnet avec quelques variantes, dont une, sans aucun doute, doit être considérée comme la bonne leçon: le mot muralhas, v. 9, devient ici murcellas (graphie du copiste pour morcelas) mieux à sa place dans cette liste de spécialités gastronomiques du Minho.
[15] Ce sonnet se trouve également dans le ms. 8793 (f. 43 v) qui propose cette leçon, au vers 2: «Que hoje ouvi, Senhor, christãmente».
[16] Ce sonnet figure aussi dans le ms. 8793 (f. 51 r). Le so qui commence le vers 9 est supprimé, mais la leçon n’est pas bonne puisqu’il manqué um pied dans ce cas.
[17] Ce sonnet est attesté par le manuscrit 8793 (f. 71 v).
[18] Ce sonnet se trouve dans le ms. 8793, f. 51 v, mais sans signature.
[19] Le ms. 8793 (f. 41 v) renferme ce sonnet avec ce titre: Ao commissario da Terra Sancta; mais il n’y pas d’indication de nom d’auteur.
[20] «Com o deputado Povoa da mesma Religiaó». Coloaido est une mauvaise graphie de conloiado.
[21] Ce sonnet est à rapprocher du sonet VI de l’édition. On le trouve dans le ms. 8793 (f. 52 v) avec une bonne leçon au vers 10: Que aos Heroes…
[22] Ce sonnet est suivi d’une décima, dernière pièce du manuscript mais aussi dernière composition de l’édition de 1852.
[23] «Deo em ladrâo». Dans le manuscrit, le sonner suivant – anoyme – represente sans doute une réponse:

                                               Grande Duque s’algum Autor perito
qual Voltaire, Boileau, Garçâo, Monteiro
ou outro cujo nome o mundo inteiro
respeitasse por homem erudito.

S’outro qualquer lesse o que anda escrito
do grande Nuno, de Joâo primeiro,
vos censurasse a vós, e ao mâo cazeiro
que o Tumbo velho imaginou prescripto.

Neste cazo, Senhor, seria graça
perdoar ao censor, e de mil burras
franquear-lhe o metal, que se ri da traça.

Mas o Lobo merece duas surras,
huma por tolo, outra por ter praça
no Livro Mestre dos Santôes caturras.