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18/01/2012

AR BUSTO...

MARIA GABRIELA LLANSOL «Os meus livros»

__________________ os meus livros já não se encontram alinhados em prateleiras, no escritório; os que eu considero mais meus, por serem os textos do meu desejo, pu-los no guarda-vestidos aberto, encostados frontalmente ao fundo, ou formando pequenas pilhas, com os nomes dos «batedores» em evidência.
     Myriam e eu, lado a lado, acabámos por subir às páginas, «mas os nossos pés», leu Myriam em voz alta, «são especialmente importantes porque são marcha em direcção oblíqua».
     Não compreendo, Myriam, a intensa suavidade negra da noite. Quando deixava de a ouvir, a encosta tornava-se íngreme, e os «batedores», numa grande angustia de sentido, elevavam as vozes. Ela fazia crescer um arbusto entre duas palavras separadas pela extinção da voz __________________ ou movimento final de silêncio.
     Atravesso o pinhal:
«as árvores falam através dos ângulos que criam». Mas não podem ser meus amantes, pois o seu plano de construção é diferente do meu; se eu tivesse uma árvore por amante, só subindo me poderia deitar com ela; talvez eu tenha uma árvore por amante; amante da minha árvore, figura humana que eu projecto nela, cria o amor num dia melhor que toda a beleza que eu anuncio ao escrever; ofereço-lhe este texto, com o risco que não me compreenda. «É para si», e concluo «é para nós»; eu entendo de igual modo as árvores, e as letras que atravessam as linhas dos livros, vivemos sob a lei da refulgência da natureza que, à hora crepuscular, explica quais são as proporções entre o homem e o resto do mundo; quantas vezes este pinhal não poderá afirmar que por aqui passou um texto, elaborado entre ele e a sua árvore?
a árvore que se refinou sob a emoção humana, caminha; os seus passos vão de ela própria à próxima árvore, e assim chegámos ao fim do bosque em movimento, só parado para quem não preferiu a árvore à língua do texto; quando as acácias levam mais longe do que o amante o seu perfume, eu começo a contar os meus sentidos; desisto a meio, englobada pelo número que se tornou qualidade.


Colares, 1991



MGL
In ‘A Phala’, n.º 23, Abril/Maio/Junho, Assírio &Alvim, Lx, 1991.