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06/03/2015

Fingires...



Vitor Silva Tavares, "Púsias", Edições 50kg, Fevereiro de 2015


A minha sombra segue-me
e eu vou na minha sombra
e não em mim.
Sigo-me:
Sou a minha sombra que me segue a mim.
Sombra de mim que recebo a luz.
Sombra atrelada a quem lhe tira o sol.
Conservo a distância que vai de minha sombra a mim,
toco-me e não me atinjo.
O único que sei é o que eu seria
se de minha sombra eu chegasse a mim.
Passa-se a realidade na minha imaginação
e eu finjo admiravelmente que existo.
Finjo que sou eu que vou e não que me persigo.
Confundo inteiramente a minha sombra comigo.
E a ilusão é total:
chego a julgar-me alguém!
Tão presente me sinto que creio que sinto que estou presente.
Mas de repente a verdade dói:
Eu só serei eu depois!
Existo de imaginar-me:
Estou sempre às portas da vida!
Estou sempre às portas de mim!


José de Almada Negreiros, “Poemas”, p.219, Ed. Assírio & Alvim.