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29/04/2017

Cartucho 2...

In-Libris

Da In-Libris | Rua do Carvalhido, 194 | 4250-101 Porto | Portugal recebi uma Newsletter: Conheça o acervo de História na estante da In-Libris, onde encontrei uma das obras mais curiosas editadas em Portugal – CARTUCHO.

(Aliás a maioria das imagens e descritivos deste artigo foram retiradas daqui, tentando ilustrar as ideias expressas no texto, pelo que apresento, mais uma vez, o meu agradecimento à In-Libris)



ALEXANDRE (António Franco) & PEREIRA (Helder Moura) & JORGE (João Miguel Fernandes) & MAGALHÃES (Joaquim Manuel). — CARTUCHO. Edição dos autores. Lisboa, 1976, 10x10x9 cm. 21ff. (Indisponível)
Edição muito restrita desta original obra, de manufactura artesanal composta por  20 poemas “amarrotados”, cinco de cada um dos autores, inseridos num cartucho de papel.
(...) O meu pai deu-nos os cartuchos, o cordel e os chumbos que os fechavam. Lá dentro ficaram poemas bem amarrotados. Mandámos imprimir um rótulo com os nossos nomes na tipografia «Proletariado Vermelho», que ficava no meu bairro. Não esquecer que corriam os gloriosos dias de 76! De resto, quando eu e o Joaquim vínhamos da Consolação com a mala do carro cheia de cartuchos acabados de fazer, fomos interceptados por uma operação stop das vigilâncias populares, à entrada da Calçada de Carriche. Ao mandarem abrir a mala do carro e ao verem os cartuchos perguntaram: — «O que é isto?» O Joaquim respondeu-lhes: — «São livros!» Como se de rosas se tratasse! Acharam coisa acertada para a revolução em curso. (Seria este o motivo para o seu poema «28 de Setembro» de Os dias, pequenos charcos) (...)”. — retirado de  Obra Poética, 3.º Volume — Meridional, Vinte e Nove Poemas, Direito de Mentir  de João Miguel Fernandes Jorge.
Não sendo o que normalmente  se designa por livro, este objecto ficou conhecido pela atribuição, dada na altura pela poetisa Fiama Hasse Pais Brandão, – de  “aquilo”.
João Barrento, na Revista Semear 4, no seu artigo Um quarto de século na Poesia Portuguesa, diz o seguinte: “(...) Com a apresentação — de “publicação” dificilmente se poderá falar neste caso — do Cartucho (1976), uma colecção de poemas soltos de quatro poetas (Joaquim Manuel Magalhães, João Miguel Fernandes Jorge, António Franco Alexandre e Helder Moura Pereira) empacotados num cartucho de mercearia e assim vendidos, estamos perante um gesto provocatório e dum desafio — no espírito da “Pop” americana ou da chamada “poesia de consumo” —, e assistimos ao fim da tradição de grupos e das profissões de fé programáticas. 
Os anos sessenta tinham estado ainda totalmente subordinados ao espírito dos Modernismos e das vanguardas históricas. Com este gesto radical (que, na sua espectacularidade neo-dadaísta, é ainda um programa, talvez o último, depois formulado com ira e nostalgia, agora entre as capas de um livro, por Joaquim M. Magalhães no poema de abertura de Os Dias Pequenos Charcos, em 1981), com esse gesto abre-se, em meados da década de setenta, uma nova fase que já se poderia considerar pós-moderna, pelo seu lado lúdico, provocatório e descomplexado (lembremos que o pós-moderno já vem sendo teorizado no Estados Unidos por Leslie Fiedler desde finais da década anterior, e que precisamente esta “geração do Cartucho” tem uma forte ligação ao mundo e à poesia anglo-americanos, nomeadamente à cena Pop). Num certo sentido, os quatro autores do Cartucho já eram então quatro vozes difenciadas, já tinham publicado separadamente e enveredaram depois por caminhos que não se podem dizer coincidentes. 
Esta nova orientação da poesia portuguesa, que se anuncia em simultâneo com a Revolução (“uma pirueta sobre o real demoníaco”, na visão de Vasco Graça Moura em 1976), mas sem com ela ter a ver directamente, é visível também na obra de outros autores que por esses anos ganham maior projecção, com destaque para Nuno Júdice e Vasco Graça Moura. Trata-se de dois poetas cuja obra ficcionaliza progressivamente o espaço lírico, rompe (tal como os poetas do Cartucho) com os registos emocionais e ideológicos e com o pathos lírico anteriores, cultiva uma abertura consciente a novas dicções poéticas e uma ironia por vezes dissolvente em relação a formas e discursos antes sacralizados, com o(s) do próprio Fernando Pessoa, para Vasco Graça Moura, ou, para Nuno Júdice, nas muitas “Poéticas” que enchem os seus livros, a linguagem hierática de sessenta, que um poeta sem escola, mas muito influente, como Ruy Belo, ainda definia nos seguintes termos: “poesia é complicação, é doença da linguagem, é desvio da sua principal função, que será comunicar. Só o poeta fica na linguagem, os outros passam por ela, servem-se dela...” (“Da espontaneidade em poesia”). 
Com os novos poetas inventa-se um novo discursivismo e uma nova retórica que levam, ou à encenação fictícia, no poema, das experiências mais pessoais e mais quotidianas (em Nuno Júdice, Diogo Pires Aurélio), ou ainda, com recurso a um largo espectro de linguagem das formas e de formas de linguagem, ao cruzamento dos grandes temas da tradição ocidental (o tempo e a morte, o amor e a arte) com o registo, em parlando, da circunstancialidade mais comezinha e dos interstícios de uma realidade “demoníaca” intensamente vivida, no caso de Vasco Graça Moura (com David Mourão-Ferreira, ele será o grande poeta doctus de uma época e de uma poesia que, com excepção de João Miguel Fernandes Jorge, irá cada vez mais perdendo as ligações à tradição cultural, para as recuperar hoje), um poeta de grande virtuosismo que assimila heranças que vão de Camões e Cesário Verde a Jorge de Sena, Vitorino Nemésio e Alexandre O’Neill. (...)”.
 
Artigo retirado daqui
Ver mais aqui

06/11/2012

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duro é o silêncio, e são os ossos duro
é também o veneno dos dias transparente,
e duro é o tempo mole
que nos anuncia o vento.
duro é o olho do homem, o olho do lince,
a coroa do rio, a ferida da flecha.
dura a madeira onde talharam corpo,
fizeram luz, silêncio pousou.
duras são as armas, as lâmpadas
do corpo.
duro é no sol o signo escorpião.
duro o senhor de quem me fiz cavalo.

duras são as maçãs no rosto breve
o soalho da luz
o pão dormido

duras
são as traves
de água

António Franco Alexandre in ‘Visitação’

21/08/2011

Cartucho


116 - Alexandre (António Franco); Pereira (Hélder Moura; Jorge (João Miguel Fernandes) & Magalhães (Joaquim Manuel). - Cartucho. - Lisboa: ed. autores, 1976. - 21 ff.; 215 mm.
Originalíssima edição limitada contendo poemas “amarrotados” de António Franco Alexandre, Hélder Moura Pereira, João Miguel Fernandes Jorge e Joaquim Manuel Magalhães. Peça de composição artesanal, provavelmente pelos próprios autores, cujos materiais - cartuchos, cordel e chumbos - foram oferecidos pelo Pai de João Miguel Fernandes Jorge. A concepção deve-se a Joaquim Manuel Magalhães. Cada um dos quatro poetas participou nesta publicação com cinco poemas, no total de 20 folhas impressas de um só lado, às quais se acrescentou ainda uma folha de rosto contendo os nomes dos autores, lugar e data de publicação. O papel comummente atribuído ao «Cartucho» é comparável ao de Poesia 61, facilitando a apreensão dos novos caminhos que se desenhavam para a poesia portuguesa na década de 70. O principal impacto do lance vanguardístico de «Cartucho» foi a estranheza que causou aos leitores devido ao amassamento dos poemas. O leitor é desafiado a posicionar-se diante de poemas amarrotados na sequência de uma tradição inscrita na modernidade por Baudelaire. Obra plurisignificativa, o «Cartucho» pode sinalizar correspondência colectiva, depósito de balas de revólver, explosivo, dessacralização, perda de aura do literário, ludismo ou festa (cartucho de fogo de artifício), etc. Famosa ficou a expressão de Fiama tratando a obra como “aquilo”. Objecto não-livro, as folhas amassadas veiculam as ideias de multiplicidade, fluidez, fragmentação, descentramento, escrita em companhia, escrita do prazer. Raríssimo.

 Retirado daqui (blog da Tertúlia Bibliófila)