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13/05/2015

:( :)...

“Lucílio, a quem Horácio considera o verdadeiro criador (inventor) da sátira, foi o primeiro a circunscrever explicitamente o seu público ao círculo de amigos escolhidos, deixando de fora tanto o que hoje se chama o «grande público», como os eruditos (Horácio faz depois o mesmo, no seu tempo). Quer dizer: esta poesia a que se chama sátira atingiu então o nó da sua função estética e da sua intenção formal: dar prazer aos amigos e chatear os inimigos, assim mais ou menos diz Lucílio. Lucílio não está nada interessado em agradar às massas (que mudam como o vento), muito menos em influenciá-las: por isso considera p. ex. a tragédia como pura psicagogia.”

Alberto Pimenta, “A Musa Anti-Pombalina”, pp. 10-11, A Regra do Jogo Edições, Lx, 1982.

25/03/2014

...

“Aristóteles fala de poesia sublime e vulgar, e esta oposição, explicitada sobretudo na oposição tragédia/comédia, reflecte desde início a organização social nas suas duas classes: a classe dos senhores, voltada para cima, onde normalmente é a residência dos deuses, e a classe dos servos voltada para baixo, onde normalmente é o trabalho e a produção. Enquanto a tragédia representa a reverência perante a ordem que vem de cima a comédia ocupa-se da ‘baixa humanidade’. O facto de as tragédias terem sido proibidas muito mais raramente que as comédias está ligado à própria propensão destas para transgredir os limites do papel ético-social das classes oprimidas. Não é só o desfecho que distingue radicalmente este dois géneros e está a priori fixado, mas também a construção e a intenção. Em termos claros e evidentes, poderiam reduzir-se os dois géneros às seguintes combinações: se há senhores logrados por deuses  ou por outros senhores é trágico; se há servos logrados por servos ou por senhores é cómico; as restantes combinações estão fora do âmbito do sistema poetológico.

[…]

Pelo século XVIII, este estado de coisas começou a desagregar-se, dentro do processo geral de desagregação de toda a estrutura da sociedade antiga, que se baseava numa ‘razão’ transcendente e não racional e, menos ainda, existencial. Esta libertação da arte literária da transcendência absoluta dos estilos e dos géneros faz portanto parte da libertação da consciência operada ao longo do processo da revolução burguesa.

Acontece, porém, que esta quebra de estrutura social libertou não só o produtor de arte literária como também o seu consumidor, o público; formou-se por essa época um novo público, naif no que toca ao conhecimento da técnica literária tradicional, interessado no consumo e assimilação de um novo tipo de arte, menos complexa e cifrada, mais espontânea e posta naturalmente ao serviço dos seus específicos interesses de classe, reais ou ideais.”


Alberto Pimenta in “O Silêncio dos Poetas”, pp. 21-23, Edições A Regra do Jogo, Lisboa, 1978.

26/08/2013

...




14

sobre a expulsão do ditador islâmico
há a dizer o seguinte

os políticos ocidentais
como sempre inspirados
mobilizaram as suas redes sociais
sempre inpirados pela Epístola I
de S. Paulo aos Romanos

a salvação de Deus
será enviada aos gentios
e eles a entenderão,
28, 28

ajudaram
outros islamitas
a revoltar-se
e a expulsar o ditador

o dono do café Farol
no porto do Suez
queixa-se desde então
«julgam que podem
fazer o que querem
agora até às raparigas
fazem o que está mal
já nem sequer hiyab a tapar
a sem-vergonha»

Walid o muezim
e os amigos
fazem ronda nocturna
 vão de moto
em demanda do mal

Walid
esfaqueou Ahmed
quando o viu
beijar a namorada
num recanto do parque
e Ahmed reagiu
aos insultos

ora graças a deus
esfaquear já não parece tão mal
como a bárbara lapidação

ainda desconhecem
outros castigos simples
que não oferecem dificuldade

o método por exemplo
que os jovens católicos
usaram no Porto
para eliminar Gisberta
a herege

Alberto Pimenta, in “de nada”, pp.43-44, ed. Boca, 2012. 



18/06/2013

...


o labirintodonte

o labirintodonte
não é uma ave
de emigração
como o porfirião.
nem um
mamífero petulante
como o elefante
nem um
réptil repelente
como a serpente.
o labirintodonte
anda de pé
como o
chimpanzé
e o saguí
e é o pretendente
de
la vache qui rit.
é um bicho
de seu natural pensativo
pois precisa
de pensar
para saber
que está vivo.



passa por mim aquele poemático que diz eu
sou o senhor dos gritos passa a galope ope ope ope
leva a musa no lombo e a musa leva nos al
forges um bombo

eu pus a minha musa no cavalo de pau e só de
longe a longe é que vou por trás a musa le
vanta-se um bocadinho e eu com o de
dinho vejo se tem ovo
pró menino papar todo

Alberto Pimenta

20/02/2013

«Pimenta à frente, e nus traseiros!... (*)»


(*) Foi a exclamação que tive ao deparar-me com o anúncio da nova exposição do Museu Leopoldo em Viena d'Austria... Após de há uns tempos atrás ter lido o poema do Alberto Pimenta que aqui reproduzo.

6

chama-se Tim
o homem
em exposição no museu
e adormece
depois do intervalo
do almoço

acorda-o
o vigilante
há um potencial comprador
que o quer ver
e ele acorda e
estende a língua

mas o interessado
não quer a língua
manda baixar as calças
quer ver o acabamento
da tatuagem das costas
que por morte do homem
é o que está à venda
com a pele das ditas

assim reza o contrato
talvez hoje ainda não
amanhã poderão ser milhões
para os artistas
Tim
o que forneceu
e Wim
o que adquiriu
grande gesto
aquela tela viva
que agora expõe no
L’
ouvre
mas ouvre o quê

a arte abriu
nos graffiti das cavernas
como abre
nos muros de hoje

nos museus
estão bens
da economia financeira
nem âme vivante

se além da pele
abrirem a cabeça destes dois
encontram um neuromealheiro
em forma de neuroporca
recém-parida

está bem
a arte de museu
foi até há pouco
carne à venda

por que não há-de sê-lo
outra vez

Alberto Pimenta, 
“De Nada”, pp28-29, Boca – palavras que alimentam, Lda., 2012.






info da expo: 


16/02/2013

Sena dizia: a «Poetaria»...


cinco

poetria
sempre a poetria
a delicada hora da poetria
de preferência antes de jantar
porque a seguir
poetria bebe do fino
e depois às vezes
não sabe o que diz

de qualquer modo
a poetria
a que embala
as donas de casa
e tem banca no templo
ou vice-versa

essa
faz parte dos ciclos
menstruais nacionais
até o ministério gosta dela
porque ela é boa
doce como o porco e
trata as alterações biológicas
como coisa do espírito santo

quem aprecia congelados
tem ainda o festival
da poetria
pode-se vir
há muitas disputas
em directo
e também em playback

ah
aquela vida de artista
solene e graciosa
viajando com a mala
cheiinha de poetria
e de mash-ups
mais um grande festival
promete muitos rabos e orelhas

alguém disse uma vez
que a poetria está a anos-luz
que é uma supernova
quer dizer
brilha muito
aos olhos de todos
mas na verdade
já não existe

de facto ela
ainda dá ares de existir
meia moribunda
porque a sua função
era ampliar o mundo
não
reduzi-lo ao tamanho de cromos

não
não é uma supernova
tem a vida artificialmente prolongada

o que nos momentos próprios
chegou a fazer faísca
agora só faz bocejar
como andar em topless
entre nudistas
tal e qual queridos

adorais a valeta
a dos outros
a doença terminal
a dos outros
a loucura
a dos outros
daí a vossa melancolia de classe
a vosso medo de não ganhar
maior que a vossa tristeza de perder

a nós outros
o tempo
passa-nos por cima

a vocês
parece que não passa
fica em cima como o de Proust
o que costuma acontecer
nessa posição
é sabido
e é vossa conquista

se restassem deste mundo
só os livros de poesia
os arqueólogos mais tarde
pensariam
que neste tempo
não aconteceu nada
a não ser afiar os cabos das facas

as vossa leituras
são a ver o mar
mas a vossa poesia olha o mundo
como um ecrã de televisão
com um grande vazio de árvores

os pássaros quando aparecem
pousam no chão

com Schubert no ouvido
uma elegia
ao pássaro em cima do rochedo
podia vir a calhar
com os ecos uns dos outros

era bom
que o pássaro voasse

o problema é esse mesmo
ele não levanta voo

quando passar este tempo
de sombra total
do corpo e do espírito
vocês partirão
sem haver no cais
a despedir-se
nem terão já a quem acenar
com o vosso lenço de papel
manchado
de tinta de choco

o que nos divide é um véu espesso
não
não podemos ser amigos


Alberto Pimenta,
in “De Nada”, Boca – palavras que alimentam Lda., pp. 73-76, 2012.

«de nada»...


02/11/2012

ÀS VEZES, PARA VARIAR...


ÀS VEZES, PARA VARIAR, SÃO:

As autoridades que erguem as nádegas
para lhes serem metidas moedas na ranhura.

Os deputados que apostam na comercialização
dos guardas-republicanos.

Os investidores que justificam
a força do uso com a força da usa.

Os magistrados que apoiam a democracia em
público e o cão-polícia em particular.

Os militares que empunham o facho-éclair
para fazer luz sobre o assunto.

Os tecnocratas que manipulam os dados
com os dedos e os dedos com os dados.

Os psiquiatras que ajudam os cães a com
pensar o seu complexo anal e vice-versa.

Os mestres que erguem a voz para dizer
quais as vozes que se devem ouvir.

Os escritores que zelam por que aquilo que é
proibido se torne obrigatório e vice-versa.

Os funcionários públicos que encaminham as
almas para o sétimo selo.

Os sacerdotes que recebem as colheitas com
a colecta anual.

Os internados no manicómio que dão
peidos que abalam a (so) ci (e) dade.

Os jornalistas que digerem este mundo e o outro
porque têm dentes fora e dentro.

O povo que se refere às conquistas de
abril.

Os polícias de choque que empacotam
as bombas e explodem.

Alberto Pimenta, “A Visita do Papa”, pp. 6-7, &etc, Lisboa, 1982.

02/03/2012

L's...



“Ana, salvé! Salvé, mas mesmo aí em Londres
não sei se você estará a salvo, porque aí também os
deve haver com certeza. Onde é que os não há? An-
dam no meio de nós, e acho que já são tantos que
nem sei se não seria melhor dizer que nós é que an-
damos no meio deles!”

                “Ah, Alberto, como você tem razão! Elles estão
de facto em toda a parte e por aqui também os há só
que, com o frio, e sobretudo com a chuva, elles retra-
em-se mais. Quer dizer, elles retraem mais os apên-
dices, e os caudais, esses, então nunca se vêem, a não ser
num excepcional dia de sol ou nalgum surto de
exibicionismo de parque.”