10/12/2017

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“Os misteres de carpinteiro, de estucador, etc., são verdadeiros sacerdocios; devendo observar-se que durante a construção de um edificio e em certos estados de adiantamento da obra, os obreiros praticam certas mysticas ceremonias. Erros de construção, ainda os mais simples, dão origem a calamitosos resultados. No numero de taes erros, figura o chamado sakasa-bashira, viga às avessas. Os carpinteiros empregam escrupulosas attenções no assentamento das grandes vigas verticaes das casas japonezas, devendo collocal-as na sua natural orientação, isto é, taes como se conservavam como arvores, com a parte sêcca da raiz para baixo, com a parte junto da rama para cima. A’s vezes, dá-se o equivoco, assentando a viga… de pernas para o ar, como nós poderiamos dizer. O caso é dos mais graves. Acontece que o espirito da viga soffre atrozmente com aquella posição contrariada aos seus instinctos e por longo tempo supportada. Pela noute desabafa em gemidos, as fendas da madeira escancaram-se como outras tantas bôccas afflictas, os nós abrem-se como outros tantos olhos espantados. Contorcendo-se em desesperos, a viga estremece e abala a casa toda; fura pelas paredes, penetra nos aposentos, offerecendo-se à visão dos locatarios, adormecidos, em fórmas diabolicas. E notai que este fracasso redunda em constantes maleficios, traduzindo-se em infortunios domesticos, em zangas, em disputas, que só cessam quando o mal é conhecido e se chama um carpinteiro, que dá então à viga torturada a posição appetecida.”

Wenceslau de Moraes, “Cartas do Japão”, pág. 97, Imprensa de Portugal-Brasil, s/d, Lisboa.

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