28/04/2012

ó Coimbra...




Coimbra
Coimbra universitária, bem entendido!
Odeio-te!
finges de cabeça
e não és senão o lugar dela.
A única vez que me referi a Coimbra disse:
os palermas de Coimbra
É a minha opinião.
A única pessoa de interesse que conheci em Coimbra
foi a dona de uma casa de mulheres
todos os outros eram cultos
admiravam os grandes vultos
e desconheciam os pequenos
como se estes não fossem uma projecção dos grandes.
Coimbra
Coimbra universitária, bem entendido!
Tu consegues não ser estúpida
nem inteligente
és Coimbra.
Tamanha identificação urbana
jamais no mundo se viu.

José de Almada Negreiros in “Poemas”, p.129, Assírio & Alvim, Lx, 2ªed., 2005.


COIMBRA EM FORMATO POSTAL

E então
lá tive numa pasta azuis as fitas
de escolar de Letras e não valiam nada
não prestavam pra nada nesse ano de ‘59
não torciam o pescoço à morrinha herdada de trás
“ai adeus acabaram-se os dias”
cantei tão pouco e só em tom menor

eu ensurdecia nas aulas durante o Inverno
o focinho metido na samarra um vago
olho emergindo como do poço uma rã
tanto sono que dava o Hölderlin em tudesco de mestre!
e às esconsas lia o meu Qui je fus

Coimbra tapada pela capa da névoa
Um rastro de cegonhas sobre as ínsuas
Chegam barcos da lenha de Penacova
Limoeiros floridos a quinta
do avô com sardões nos muros de pedra solta

ai adeus formado em Germânicas este rapaz
o que sabe ele da vida este rapaz? Coisa nenhuma
chora baba e ranho à menção puizia
e escrevi cartas de amor sempre solenes
e a melancolia é uma doença nefasta

eu tinha uma janela no último andar
de onde o Senhor da Serra em tardes claras
e traduzi muito verso pré-romântico para as colegas
’59 confesso não me ensinou nada de nada
belas são as narcejas nos arrozais quando voam sobre
                um fundo de sol como o cobre batido

Fernando Assis Pacheco in ‘Variações em Sousa’, pp. 16-17.


LOUVOR DO BAIRRO DOS OLIVAIS

Não tive nunca nada a ver com as
guitarras estudantes: eu vivia
num lento bairro da periferia
onde a chuva apagava os passos das

pessoas de regresso a suas casas
fazia compras na mercearia
e algum livro mais forte que então lia
já era para mim como um par d’asas

amigos vinham ver-me que eu servia
de ponche ou de Madeira malvasia
para soltar as línguas livremente

um que bramava um outro que dormia
eu abria a janela e só dizia
ao menos estas ruas têm gente

Fernando Assis Pacheco in ‘Variações em Sousa’, p.11.

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